quinta-feira, 2 de abril de 2009

O Santo Daime, para leigos



Há alguns meses fiz uma breve viagem a estudo para Lavras, em Minas Gerais. Na ocasião, foram plantadas algumas sementes de amizade, muitas das quais a distância e o tempo tende a atrofiar. 

Contudo, algumas certamente ficarão marcadas por muito tempo. Uma dessas, foi um grande amigo chamado David, católico praticante, farmacêutico muito inteligente do Delta do Parnaíba, terra de muito caranguejo e praia, conforme sua propaganda.

Pessoa de muito carisma e de rápida afeição, trocamos muitas conversas durante o curso. Em uma dessas, prometi escrever algo sobre o Santo Daime e desde então tenho postergado tal promessa.

Não tenho o intuito de discorrer palavras científicas sobre o assunto, pois trabalhos, monografias, teses e livros existem muitos. É verdade que quase todos tratam da área farmacêutica, antropológica ou cultural. Quase nenhum aborda o lado fisiológico e ecológico das espécies em questão.

Tentarei descrever uma explicação dentro dos meus conhecimentos, os quais não são muitos, pois, apesar de estudar bastante o assunto, conheci essa Santa Bebida há apenas pouco mais de seis anos.


A HISTÓRIA

Essa bebida tem uma origem indígena, sendo o começo de sua utilização indefinido pela história. Cada etnia indígena, assim como cada vertente não indígena, tem sua explicação. 

A versão mais aceita no meio científico é que o uso data de um período pré-incaico, sendo o rei Inca Huascar o usuário famoso mais antigo. Durante a chegada espanhola, Huascar teria adentrado a floresta para escapar dos inimigos. Enquanto isso, seu irmão Atualpa teria ficado na cidade perdida e tentado a amizade com os estrangeiros, quando foi massacrado juntamente com a metade da população que permanecera na esperança de paz.

Modernamente, a bebida é mais conhecida como Santo Daime. Todavia, esse nome surgiu apenas quando o maranhense Raimundo Irineu Serra entra em contato com a bebida (conhecida até então como Hoasca, Ayahuasca e outros nomes indígenas) em terras da fronteira Brasil, Peru e Bolívia, região que atualmente este que escreve reside.

Irineu, conhecido como Mestre ou Padrinho Irineu, recebeu da Virgem da Conceição os ensinamentos e as ordens de como deveria direcionar sua doutrina.

Depois da passagem de Mestre Irineu para o plano astral, muitas dissidências surgiram, dando origem às inúmeras igrejas hoje existentes que comungam esse sacramento.


A DOUTRINA

A doutrina original do Padrinho Irineu, doutrina esta que a igreja que faço parte segue (ou tenta na medida de suas possibilidades seguir) tem vários preceitos.

Homens e mulheres ficam separados durante os rituais, vestem-se adequadamente (homens de calça e mulheres de saia), fazem uma dieta especial para comungar o sacramento, dentre outros.
Muitos são os detalhes que, para um leigo, não há necessidade de tal relato.

Creio ser de maior importância o aspecto divino da doutrina, com muitos elementos católicos, caboclos (da floresta) e "teosóficos". Esse último advindo de ensinamentos do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento.

Todas as vezes que se toma o Santo Daime, termina-se o ritual com a reza de 3 Pai-nossos, 3 Ave-Marias, e 1 Salve Rainha. Em alguns rituais mais longos, reza-se o terço completo antes de se comungar o sacramento.

A doutrina daimista é essencialmente musical. Seus ensinamentos são quase que exclusivamente passados apenas pelos hinos. Os hinos são músicas recebidas pelos adeptos, onde se canta louvor à natureza, arrependimento dos erros, agradecimento a Deus, a Jesus, à Maria ou outros seres divinos, ou se mostra o caminho do auto-conhecimento.

Em um ponto de vista pessoal, o trabalho com o Santo Daime se resume aí, no conhecimento de si mesmo. Eu tomo Daime para aprender e aceitar o que tenho feito de errado. Isso é proporcionado pelo estado elevado de consciência que a Santa Bebida proporciona. Outros meios proporcionam estados elevados de consciência semelhantes, como as rezas fervorosas, os jejuns intensos, técnicas de respiração, meditação e outros.

Enxergar os próprios erros é muito difícil. Aceitá-los e corrigi-los é ainda mais difícil. Quando alguém tenta nos mostrar nossos erros, a tendência é iniciar uma discussão. Mas, com o Santo Daime, ninguém precisa falar. Eu mesmo penso nas minhas atitudes e nos meus pensamentos e analiso-os de acordo com o que considero ser a vontade de Deus Pai Todo Poderoso.

Alguns símbolos são peculiares da doutrina daimista, como a cruz de caravaca (ou cruz de Lorena) - como na foto no começo desta postagem. A águia, a lua, a estrela de Salomão também são alguns símbolos importantes.

É relevante enfatizar que é uma doutrina cristã e espiríta.
Não é macumba, não é droga, não é coisa de maluco.
É um dos caminhos que existem disponíveis para aprendermos os ensinamentos de Jesus.

Um ponto importante é o fato de não ser comum o convite para participar os rituais. Ou seja, não existe prática de arrebanhamento de adeptos.

Todos as pessoas interessadas a tomar o Santo Daime são muito bem vindas. E qualquer um pode tomá-lo, desde recém-nascidos a idosos. Todavia, não é permitido o convencimento ou indução para tal, devendo ser totalmente pessoal a decisão de comungar esse Santo Sacramento.

Isso, além de ser explicado pelo fato de cada ser humano ter o seu livre arbítrio, tendo o direito e dever de escolher seu próprio caminho (pois será o responsável por seus erros e acertos), pode ser visto como a posição geral da grande parte dos adeptos que dá preferência à sua doutrina daimista, mas respeita todas as outras formas de religiosidade, não acreditando serem os únicos corretos, ou os portadores da verdade. Além disso, quanto mais pessoas tomarem o Santo Daime, mais pressão ecológica os vegetais utilizados sofrerão, entre outras consequências.

Os rituais ordinários acontecem todos os dias 15 e 30 de cada mês, independentemente do dia da semana. Esses rituais são basicamente meditações silenciosas e, por isso, levam o nome de concentração. Existem outros rituais, sendo o mais comum (depois das concentrações) o ritual do bailado, onde se cantam e bailam os hinos referentes à doutrina.



A BEBIDA

O Daime é confeccionado através de duas espécies de origem amazônica. As duas são igualmente importantes. Essas espécies são o cipó Banisteriopsis caapi e o arbusto Psychotria viridis.

Essas espécies, depois de preparadas adequadamente, são colocadas em um panelão em uma fornalha à lenha e, depois de um processo que pode demorar um dia ou um mês (dependendo da quantidade a ser feita), retira-se o Santo Daime.

Além de ser usado nos rituais, o Santo Daime é utilizado para alguns outros fins no dia a dia da comunidade daimista. Alguns exemplos são para lavar ferimentos ou picadas de insetos ou animais, para malária e para facilitar o parto. Muitos desses casos já comprovados cientificamente, outros comprovados pela fé e pelos resultados obtidos.

O Santo Daime não é utilizado como o único remédio dos daimistas, mas é tido como o primeiro e preferencial. Eu mesmo poderia descrever alguns casos pessoais, como curas de febres, de diarréias e até de adicção.


HÁBITOS

Os daimistas, de forma geral, dentro da linha originária de Raimundo Irineu Serra, não deixam de rezar ao acordar, ao sair de casa e antes de dormir. Pedem proteção ao Mestre Irineu, considerado único chefe dessa missão. As senhoras mais antigas na doutrina não dormem antes de rezar seus terços todas as noites (indicação essa também deixada por Nossa Senhora de Fátima aos três pastorinhos).

Cada igreja tem o seu presidente, o qual geralmente é chamado de padrinho pelos adeptos mais chegados, devido ao grande carinho que envolve o relacionamento dos mesmos. Isso porque o presidente geralmente é aquela pessoa que dá um bom conselho quando solicitado, acalma os ânimos, revigora o entusiasmo, etc.

Muitos daimistas não ingerem bebida alcoólica ou usam drogas, sendo essas recomendações do Mestre Irineu ainda em vida e totalmente desestimulados quando de conhecimento público. Também o fumo e hábitos considerados "mundanos" não são comuns no meio daimista.

Comer carne, namorar ou qualquer outro hábito não é de qualquer forma recriminado, sendo isso regrado de forma pessoal.

Comemoram-se os dias dos Santos Reis, de São José, São João, Nossa Senhora da Conceição, Natal, entre outras datas comuns ao calendário católico.

Geralmente, o daimista não "espalha" a sua religião. Isso precavendo qualquer perseguição ou preconceito. Contudo, nunca escondo que sou daimista, como cheguei a fazer nos primeiros anos, principalmente para meus pais. Mas, a partir de quando você toma Daime, qualquer erro seu é desculpa para os outros dizerem que é por causa de sua religião. Em um exemplo extremo, um evangélico que se suicida é porque estava deprimido, mas um daimista que se suicida é porque tomou o Santo Daime.

Geralmente os daimistas possuem uma visão ecológica, com um sentimento preservacionista muito forte, já que seu sacramento nasce na floresta. A ligação com as plantas, os animais, o Sol, a Lua e todos os elementos da natureza é muito forte.



EM SUMA

A doutrina do Santo Daime, e as outras doutrinas que utilizam essa Santa Bebida, podem ser consideradas as únicas religiões genuinamente brasileiras.

Muito preconceito há ainda, pois o ser humano tende a discriminar aquilo que não entende e que não faz parte de si.

A comunhão desse Sacramento é totalmente legalizada em todo o Brasil.

É uma releitura dos ensinamentos de Jesus Cristo através das orientações recebidas por Mestre Irineu.

Quem toma Daime não é melhor que ninguém.
Quem toma Daime não é pior que ninguém.



Eu, Thiago, sou muito agradecido ao Santo Daime e ao Padrinho Irineu por tantas bençãos e curas que banharam minha vida desde 01 de novembro de 2002. Deus é o provedor de todas as coisas boas! E o Mestre Irineu é, para nós daimistas, nosso professor no caminho a percorrer.


Homini Pax!

2 comentários:

Unknown disse...

Grande Thiago, Bom dia.
Inicialmente muito obrigado pelas belas palavras proferidas a meu respeito no início do seu artigo, saiba que a recíproca também é verdadeira e nossas conversas e trocas de informações foram e continuam sendo muito valiosas. Quanto ao artigo sobre o Santo Daime vejo que o mesmo foi muito esclarecedor para a visão de um leigo, como você mesmo afirma, aquilo que não conhecemos ou não faz parte do nosso meio tendemos a discriminar, acho importante que você divulgue seu artigo nos meios de comunição pois trata-se de uma experiência pessoal muito bonita. Parabéns mesmo e saiba que escreves muito bem.
Grande abraço do amigo nordestino, David

Lou Gold disse...

Oi Thiago,

http://lougold.blogspot.com/2009/04/happy-easter-from-bujari-extended.html

http://lougold.blogspot.com/2009/04/musical-doctrine-of-santo-daime-hymns.html

Abraços,

lou